Não importa qual seja a sua profissão e o quanto você a ama, sem dúvidas já deve ter experimentado aquela vontade de largar tudo e viver da sua arte, de um hobbie ou em uma comunidade autossuficiente no meio do mato.
A história da Todas Nós Marias, nova marca de objetos feitos de cerâmica criada por Maria Fernanda Galetti, 33 anos, nasceu dessa vontade.
Nascida em Goiânia, capital de Goiás, Mafe mora em São Paulo desde 2007, onde construiu uma carreira de sucesso como publicitária: formou-se na ESPM, foi consultora de mídia na startup Quinto Andar e diretora de mídia na agência Wunderman Thompson — onde trabalhou por sete anos (uau!).
Em um dado momento e pega pela correria da vida de quem trabalha em agência, Mafe percebeu que estava vivendo em algum tipo de piloto automático e viu seu corpo pedir socorro. “Sentia-me completamente desconectada de mim mesma, sem criatividade, e vivia com aquela sensação de estar sempre devendo, seja em casa, no trabalho, com amigos, família. Sinto que tive um burnout. Então comecei a questionar o que realmente me fazia feliz, quais eram meus valores e, depois de um longo processo, entendi que precisava parar e descobrir qual o lugar que eu queria ocupar na minha própria vida, independente das expectativas dos outros”, conta.
Por causa dessa reflexão, pediu demissão e passou cinco meses viajando pela Itália. Quando voltou, já não era mais a mesma pessoa e precisou mudar tudo. “Eu já fazia cerâmica de maneira isolada desde o começo de 2018, mas foi só quando fiz um mergulho em mim mesma que vi nisso uma oportunidade de trabalho e de criar um projeto que faz sentido com quem eu sou realmente”.
Assim, começou a refletir sobre os corpos das mulheres e seus significados. Quer conhecer melhor a marca? Leia a entrevista com Mafe abaixo:
Depois de ter pedido demissão, mergulhei em mim mesma e descobri que muitas das coisas que eu achava que me faziam feliz eram, na verdade, expectativas e felicidade dos outros. Quando eu entendi isso, as coisas ficaram muito mais leves pra mim. Conversando com outras mulheres, sentia que além dessa reflexão não ser tão comum, muitas das questões que norteavam essas expectativas estavam pautadas por esse sistema patriarcal e que nos traz consequências sérias.
Vi nos peitos, e depois nas vulvas, uma forma de celebrar o corpo feminino em todas as suas formas, e de levar todo esse meu questionamento para outras mulheres além do meu ciclo de amigas.
O corpo da mulher sempre foi muito censurado, erotizado e usado, sob diversos aspectos, para suprir as necessidades do sistema opressor em que vivemos. Fomos ensinadas desde pequenas que nossos corpos são cheios de defeitos, mesmo aquelas que já se encaixam no padrão de beleza que nos foi imposto. É mais do que urgente a normalização de todos os corpos. É mais do que urgente a percepção de que o nosso corpo é único, assim como nossa história, nossas alegrias, desejos e cicatrizes. Nosso corpo é a nossa casa, e precisamos estar em paz com ele.
Por tudo isso, minhas inspirações para a criação das peças são as mulheres reais. Eu mesma, minhas amigas, mulheres desconhecidas... Pesquiso e observo corpos de mulheres nuas porque quero conseguir trazer a maior variedade de corpos possível.
As Marias somos todas nós, mulheres cis, trans, não-binaries. Todas nós que de alguma forma sofremos com esse sistema que insiste em nos oprimir.
Faço em casa mesmo, onde montei o meu ateliê.
Direto comigo, através do perfil @todasnosmarias.
Como cada peça é única e exclusiva, o preço varia.
Eu amo o toque na massa. A troca de umidade entre a peça e o dedo enquanto a peça é esculpida é muito gostosa. Mas fazer cerâmica é um tanto terapêutico, não só por colocar a mão na massa, sovar, modelar, como também por trabalhar alguns sentimentos comuns em diversas situações da vida, como ansiedade, frustração, coragem… Para se ter uma ideia, normalmente levo cinco ou seis horas para modelar um único busto, por exemplo — isso porque eles são feitos um a um, sem moldes. Todo o processo de modelagem, secagem e queimas de uma peça dura, em média, 20 dias, dependendo do clima. São 20 dias namorando a peça quase todos os dias, acompanhando a secagem, percebendo as mudanças de cor da argila. Outra coisa que é legal também é o momento de abrir o forno, sempre uma emoção. São dois dias entre ligar o forno e poder abri-lo, então ver a peça pronta depois de tantos dias, ver a sua transformação, é uma delícia.
Planejamento, coragem e mais que tudo, autoconhecimento. Cada um tem seu processo. Eu demorei pelo menos três anos pra entender que precisava parar e me planejei pra isso. Pelo menos dez meses pra colocar o @todasnosmarias de pé do jeito que eu queria. Para alguns pode parecer que foi tempo demais. Para mim, foi o tempo necessário para me sentir segura, para me sentir à vontade, inclusive para poder errar. Somos diferentes, cada um tem o seu tempo, suas necessidades (inclusive financeira) e o que funcionou pra mim pode não funcionar pra você.
Amo ouvir música, sou daquelas que acha que a vida devia ter trilha sonora. Dançar também é uma paixão que sempre tive desde a infância. Fiz ballet, jazz, sapateado até os 15, 16 anos. Ano passado conheci a dança afro e me apaixonei, agora no isolamento tenho feito aulas por zoom 1 vez por semana e tem sido um momento de respiro, de sentir o corpo (a aula chama experimentos no corpo(!), da @janettesantiago, super recomendo). Yoga também é uma prática que comecei há algum tempo e me faz super bem. Tenho gostado cada vez mais de escrever também.
Com certeza. Não só pela disponibilidade de horas, mas também pelos questionamentos todos que esse isolamento me trouxe.
Nossa, difícil dizer uma só. Da liberdade de poder ir e vir, de encontrar os amigos, minha família, de viajar, estar mais perto da natureza.
Quero muito ir pra Goiânia abraçar meus pais.
Quero seguir nessa linha artesanal, com peças exclusivas, mas é um plano para o futuro sim.